"Domine Deus omnipotens in cuius manu omnis victoria Consistit"

domingo, 30 de maio de 2010

BANHOS DE MAR



O GAROTO DO BLOG DIZ:

Eternamente: Lispector
Li este texto de clarice numa prova que fiz hoje e gostei muito
por isso trouxe ele pra compartilhar com vocês...

Meu pai acreditava que todos os anos se devia fazer uma cura de banhos de mar. E nunca fui tão feliz quanto naquelas temporadas de banhos em Olinda, Recife.



Meu pai também acreditava que o banho de mar salutar era o tomado antes do sol nascer. Como explicar o que eu sentia de presente inaudito em sair de casa de madrugada e pegar o bonde vazio que nos levaria para Olinda ainda na escuridão?


De noite eu ia dormir, mas o coração se mantinha acordado, em expectativa. E de puro alvoroço, eu acordava às quatro e pouco da madrugada e despertava o resto da família. Vestíamos depressa e saíamos em jejum. Porque meu pai acreditava que assim devia ser: em jejum.Saíamos para uma rua toda escura, recebendo a brisa da pré-madrugada.

 E esperávamos o bonde. Até que lá de longe ouvíamos o seu barulho se aproximando. Eu me sentava bem na ponta do banco: e minha felicidade começava. Atravessar a cidade escura me dava algo que jamais tive de novo. No bonde mesmo o tempo começava a clarear e uma luz trêmula de sol escondido nos banhava e banhava o mundo.

Eu olhava tudo: as poucas pessoas na rua, a passagem pelo campo com os bichos-de-pé: “Olhe um porco de verdade!” gritei uma vez, e a frase de deslumbramento ficou sendo uma das brincadeiras de minha família, que de vez em quando me dizia rindo: “Olhe um porco de verdade”. Passávamos por cavalos belos que esperavam de pé pelo amanhecer.

Eu não sei da infância alheia. Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu como promessa de felicidade para o futuro. Minha capacidade de ser feliz se revelava. Eu me agarrava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha encantada que era a viagem diária.No bonde mesmo começava a amanhecer.

Meu coração batia forte ao nos aproximarmos de Olinda. Finalmente saltávamos e íamos andando para as cabinas pisando em terreno já de areia misturada com plantas. Mudávamos de roupa nas cabinas. E nunca um corpo desabrochou como o meu quando eu saía da cabina e sabia o que me esperava.


O mar de Olinda era muito perigoso. Davam-se alguns passos em um fundo raso e de repente caía-se num fundo de dois metros, calculo.


Outras pessoas também acreditavam em tomar banho de mar quando o sol nascia. Havia um salva-vidas que, por uma ninharia de dinheiro, levava as senhoras para o banho: abria os dois braços, e as senhoras, em cada um dos braços, agarravam o banhista para lutar contra as ondas fortíssimas do mar.


O cheiro do mar me invadia e me embriagava. As algas boiavam. Oh, bem sei que não estou transmitindo o que significavam como vida pura esses banhos em jejum, com o sol se levantando pálido ainda no horizonte. Bem sei que estou tão emocionada que não consigo escrever. O mar de Olinda era muito iodado e salgado.

E eu fazia o que no futuro sempre iria fazer: com as mãos em concha, eu as mergulhava nas águas e trazia um pouco de mar até minha boca: eu bebia diariamente o mar, de tal modo queria me unir a ele.Não demorávamos muito. O sol já se levantara todo, e meu pai tinha que trabalhar cedo. Mudávamos de roupa, e a roupa ficava impregnada de sal. Meus cabelos salgados me colavam na cabeça.


Então esperávamos, ao vento, a vinda do bonde para Recife. No bonde a brisa ia secando meus cabelos duros de sal. Eu às vezes lambia meu braço para sentir sua grossura de sal e iodo.


Chegávamos em casa e só então tomávamos café. E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura.


Meu pai acreditava que não se devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me deixava límpida e sem o mar.


A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais?
Nunca mais.
Nunca.
 
 
( Clarice Lispector ).
 
Sinceramente: O Garoto do Blog.
 
Pai abençoado proteja minha ESPOSA e FILHA e diga-lhes que vivo apenas para abraça-los de novo.

8 comentários:

Lilian disse...

Olá querido amigo Garoto do Blog,

Lindo o texto de Clarice Lispector que publicou.

Descritivo, mas de uma sensibilidade ímpar. É como passear pelo lugares que narrou e refrescar-se nas águas dos banhos descritos.

Que você tenha Deus em seu coração, todos os dias, e receba bênçãos e paz para seu coração que ainda sofre de amor.

Carinhoso e fraterno abraço,
Vovó Lili

Natasha disse...

Sou suspeita pra falar da Clarice...essa mulher era um gênio...quanta riqueza e sensibilidade nesse texto!
Quero me banhar nesse mar pra eu me salvar de mim mesma e me curar...pois é um santo remédio!
O mar é a causa dos efeitos mais cristalinos...e tem o poder de lavar a nossa alma...
Não abandone o meu blog antigo hein...rs!
Kisses*

Lu disse...

Lindo texto, nunca li nada dela, mas esse é muito bonito.

Fernanda Assis disse...

Clarice dispensa muitos comentários não é?

Este texto eu ainda não conhecia, gostei muito...da uma sensação de saudade sem saber bem de que.

Eu nunca li um livro todo dela (vergonha rs) mas já li vários textos assim avulsos.

bjos

Nanda

nasuaestantee disse...

Eu também nunca li nada dela, só umas coisas perdidas, mas muito bom esse texto!! adoreiiii
beijoss

Luciana disse...

Oi Garoto

Que lindo esse texto já conheço alguns textos da Lispector e são maravilhosos mesmo.
Bjs

.●.※゚・.•°∴ .•☆☥Nath☥☆.●.※゚・.•°∴ .• disse...

Sumidoooooooo...onde você se meteu...que sumiu que nem fumaça...hahaha!
Escreva alguma coisa no seu blog...pode ser como está se sentindo...não importa!!!
Xiiii,acho que a sua inspiração foi para o espaço...foi de nave especial...huahua!
Beijão

Leninha Sempre Romântica disse...

Amei o texto, se eu morrasse perto do mar tomaria banho de madrugada não só para me purificar como para matar a vontade que tenho do mar!
Lindo texto, linda postagem!
Amei!

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